Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra... mas desde o princípio alguma coisa - fados, astros, sinas, quem saberá? - conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois... para nao sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, se querer justifica-los - ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem?

3.1.07

O abacateiro

Quero conseguir ecoar por todo o sempre a última tarde de novembro
Propagar em todos os meus dias cinzas a alegria finda
A nesga dourada de Sol adentrando seu quarto
O gosto da felicidade
Enquanto Billie Holiday tocava rouca na sua vitrola
E você lia pra mim altivo mais uma vez aquele soneto da Florbela
Me entreguei sem reservas dentro da mágica do seu universo

Me libertei de qualquer culpa, agarrando seu improvável gosto terno.
Quedando apenas a felicidade roubada.
O Rio alijado na colina tão distante de nossas vidas
nos resguardou do burburinho da cidade, da vida mundana e seus senões.
Você me embalou com sua magia, sua arte efervescente que te brilha os olhos.

Os nossos trabalhavam,
enquanto gozávamos os prazeres de um amor profano.
Foragida em seu olhar hipnótico
Em sua alcova, fui vítima.

Nos tivemos em outra dimensão
E eu ainda desejo as suas garras.
Quis me despir de mim, ser outra qualquer
Sem identidade, procurei o refúgio ideal
A paixão, o abacateiro
O vermelho-sangue do meu útero vivo no chão
A entrega nua
Nossas vidas pulsando
Mundos correndo paralelos.

Guardamos em relicário a intimidade colecionada em antanho
Mas você ainda é meu presente clandestino

Pensou tê-la atraiçoado com luxúria
Mas transgrediu o quê, no entanto?
Qual foi o nosso pecado capital,
se só louvamos o melhor da tarde quente?

Podamos o segredo das nossas seivas mais doces
Mas fomos abençoadas por Ele.

Um comentário:

Anônimo disse...

Soul, vc é a minha Caia!
Sou um mix de orgulho e admiraçao!
bjs!