Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra... mas desde o princípio alguma coisa - fados, astros, sinas, quem saberá? - conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois... para nao sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, se querer justifica-los - ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem?

29.11.06

O amor acaba

Por Paulo Mendes Campos


O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Nada Passa


Por Clarah Averbuck


Eu tô bem. Eu tô bem, era assim mesmo que tinha que ser, era inevitável. Engraçado, porque no começo eu era inevitável. E agora o fim é que virou inevitável. Não, não é engraçado, não é nem um pouco engraçado, e eu tenho pesadelos todas as noites com a porteira de uma pizzaria seduzindo aquele que foi minha alma gêmea desde sempre e para sempre sei lá eu como, porque certamente não foi do jeito que eu fiz. É minha culpa? É minha culpa. É o destino, esse filho-da-puta. É minha culpa.

Não é culpa de ninguém. Alguém tem uma morfina aí? Obrigada. Alguém tem fogo, uma taça de vinho? Obrigada. Estava tudo horrível, era assim que tinha que ser. Ninguém se escutava, todo mundo só escutava a si mesmo. Ecos deturpados de algo que foi um grande amor se dissolvendo em uma nuvem de incompreensão, desconfiança e hostilidade.

Dói, dói, dói como abrir o peito e arrancar um órgão vivo sem anestesia. Paralisada. Observando tudo, morrendo de dor, mas sem poder fazer nada. Chega uma hora em que lutar só serve para levar à loucura. E na loucura eu já cheguei, obrigada. Estou é tentando sair dela. Muitas coisas na cabeça, muitos grandes projetos, eu estou bem, eu estou BEM.

Vou me concentrar em outras coisas, vou realizar tudo aquilo que a relação que me consumia não permitiu. E vou deitar sozinha na cama à noite e ver que agora durmo em um deserto. E, depois de uma semana, vou desistir de dormir na cama e dormir no sofá, em companhia da televisão, toda torta, suando no couro vermelho, mas não vai adiantar, eu vou dormir mal, acordar mal e ver a cama intocada e me sentir ainda mais sozinha. E a casa, aquela casa toda, o nosso lar, o nosso templo construído pouco a pouco, peça a peça, e vai ficar tudo ali, morto, e o corredor, o apartamento que nós escolhemos juntos, será como uma zona fantasma na casa fantasma, e eu percorrerei o corredor fantasma tocando as paredes e sentindo cheiros que não estão mais lá com lágrimas que nunca conhecerão as minhas faces escondidas nos olhos sem escorrer.

E todos os nossos planos, porque um casal sempre tem planos, ficarão lá sem crescer na Terra do Nunca pra sempre. Um casal separado não tem mais nada a dizer, mas quer dizer tudo pra tentar arrumar tudo de errado. Um casal separado não quer mais se ver, mas quando se vê sente que a chama morta ainda arde e dói. E nunca vai parar de arder. Um casal separado descobre que, de uma maneira errada, será eterno. Eterno no fracasso, mas eterno. E tudo aquilo que um dia foi a sua vida se dissolverá no passado e você nem lembrará direito como foi, só lembrará na cabeça, não no peito. O peito vai estar ocupado com outras coisas. Isso se você tiver a sorte de ainda ter um coração. Porque às vezes a dor é tão grande que o coração pára e a gente fica amarga pra sempre e deixa de acreditar em tudo.

Nada passa, diria uma amiga minha. Nada passa e a gente vira um amontoado de todas essas coisas. Nada passa.

Ainda bem. Senão não valeria a pena.

28.11.06

#1 Crush - Garbage

Extremos da Paixão

"Não, meu bem, não adianta bancar o distante, lá vem o amor nos dilacerar de novo..." Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.

Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira:compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano,e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó.O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.

Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolosem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu.

Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.(in Pequenas Epifanias)

Caio Fernando Abreu
Pink Martini - Sympathique

27.11.06

Caleidoscópio



Rio de Janeiro, 08 de novembro de 2004

Caleidoscópio

O dia cinza parece sem moldura e sem eco. As pessoas rasas e sem gosto pertencem a outra raça. Vejo-as pelo caleidoscópio enquanto falam comigo. Enxergos as sombras e os contornos.

A jaula está convidativa: Entre. Quero me arrastar rugindo e arranhando o chão duro.

Porque hoje estou cega para o mundano, perambulo pelo plano das idéias. Ignoro a vivacidade que insiste em adentrar. Por dentro estou escura e oca. Mas sangro e jorro choro abrasivo. Por dentro tenho garras que querem digerir o gozo quente. Liberar o grito primitivo. Quero rasgar a carne crua e seus nervos.

A medida que abro a caixa de Pandora dou à luz às criaturas das trevas e tenho medo. As palavras malsãs e burburinhos me entorpecem na baia impessoal. Até o silêncio gélido do ar condicionado me transpassa em calafrio.

Estou só enquanto teço idílio tão distante. Arde pensar a felicidade e lembra-la é um parto doído de filho malquisto.

Então vivo na bolha invisível e os passantes andamem minha direção e não me vêem. Olham e não vêem.

É que estou verde, entorpecida, entoando a voz dos anjos e dos demônios. Joguei fora o relógio, perdi a noção do tempo. Estou congelada. Tenho medo do sono e não tenho coragem nem de dormir nem de morrer. Sou moça pós- moderna que tudo pode e tem, mas a vida vibrante me ofusca agora.

A mulher que é no fundo quer seguir a luz, depois que as nuvens negras deixarem o céu. Mas por enquanto é ostra gerando a pérola. Por ora ainda segura a barra da saia materna e bebe leite morno. Sabe que não serão necessárias eras para que amadureça e perca o medo de seguir sozinha. Mas hoje, obstinada, espera a metamorfose.

Então ela come o joio duro sem mastigar. Absorve tudo para apreender a alma coletiva da natureza. Ela que queria ser planta.

A escrita triste está nublando os seus sentidos e quase sucumbe. Entoa o cântico mortífero, mas que também é réquiem para a última chance.

Vai se agarrar à corda que insistem em jogar do lado de lá, para resgatá-la. Talvez por mera provocação. Talvez seja ela própria. Pensa então em se dar mais uma chance e viver na estranha terra dos homens mais uma temporada.
WELCOME to Mother Superiors


"People think it's all about misery and desperation...
and death and all that shite,
which is not to be ignored.
But what they forget is the pleasure of it.
Otherwise we wouldn't do it.
After all, we're not fucking stupid.
At least we're not that fucking stupid.
Take the best orgasm you've ever had...
multiply it by a thousand,
and you're still nowhere near it.
That beats any fucking cock
in the world. "

Adolescência - Ximenes Braga

Tenho horror à nostalgia. Se alguém começa uma frase com “no meu tempo”, é bom emendar com um comentário autopejorativo sobre o corte de cabelo que usava na época, senão nem ouço o resto. Uso logo o método infalível para não prestar atenção no que me é dito: cantarolo mentalmente “Poeira”, da Ivete Sangalo. Mas coerência não faz parte da longa lista de males que me afligem, então este é um texto nostálgico. Ando com nostalgia da angústia adolescente. No meu tempo, eu ficava deprimido. Aliás, todo mundo que eu conhecia ficava. Lia-se “O mito de Sísifo”, de Camus, e a “Náusea”, de Sartre. Ouvia-se Smiths. Assistia-se a “Trinta anos esta noite”, de Louis Malle. A maior parte dessas coisas, na verdade, nem era do nosso tempo, mas estava em voga nos anos 80. E ficávamos deprimidos pela falta de sentido da existência. Mas minha geração — pelo menos o microcosmo que conheço — passou pelo aniversário de 30 anos e se esqueceu de dar um tiro na cabeça, como titio Malle ensinara no filme.

Sobrevivemos por culpa de remédios tarja preta ou simplesmente por ficarmos de saco cheio de tanta inexorabilidade. E nos esquecemos de como era nobre ficar deprimido pela falta de sentido da existência. Tiro por mim. Hoje em dia, o que mais me deprime é a arrogância do casalzinho. Eu, que já prometi nunca mais sair da cama depois de ler um livro de Clarice Lispector, agora repito tais bravatas por causa da Rosinha Garotinho. Quanta decadência! A angústia adolescente era muito melhor, mais saudável e digna que as angústias da vida adulta. Tem gente que aos 17 anos entrava em depressão porque ouvia This Mortal Coil, e aos 34 vira ameba porque o pagamento atrasa e precisa pedir dinheiro emprestado — uma melancolia sem qualquer allure.

Ou seja, deprê de adolescente é sublime, deprê de adulto é cafona e pueril. Vejamos outros exemplos:
adolescente quer fugir dos pais e tem Freud para ampará-lo; adulto quer fugir do chefe, e assim ameaça abrir uma pousada na Região dos Lagos ou lê manuais de auto-ajuda sobre como subir na vida. Quando chega em casa, o adolescente se tranca no quarto para bater a cabeça na parede; o adulto tem que lidar com a infiltração na cozinha e com o aquecedor a gás quebrado. Ou seja, na adolescência, o algoz do seu ânimo é J.D. Salinger; na vida adulta, é o senhorio. Você vira gente grande quando o cotidiano o assola mais que a vida. Sem falar em todas as mudanças físicas. Aos 15, os hormônios tomam conta do rapaz e ele se angustia pela desproporção quantitativa entre o sexo que fantasia e o que pratica. Aos 30 e poucos, o homem continua só pensando em sexo, mas sua angústia é prever o prazo de validade dos hormônios antes de precisar recorrer à química. Aos 15, as moças entristecem por amores não correspondidos; aos 30, elas têm ataques de insegurança porque não sabem escrever mensagem de texto no celular. Para piorar tudo, até a lei da gravidade contribui para que você se torne mais superficial depois dos 30. Quando a sua barriga se torna um drama maior que seu próprio umbigo, não há mais dúvidas, você é um adulto. O passo seguinte é acreditar que era bobo na adolescência e, agora sim, está maduro e sábio. Pura enganação.

26.11.06

Placebo - Without You I'm Nothing


Tick tock
Tick tock
Tick tick
Tick Tick
Tick tock

Alice despertando outra vez...





Por quase dois anos o meu impulso criativo esteve acossado. Nunca mais
a inspiração suplicante, urgente. Nunca mais o alívio na fuga para as
palavras, mudas.

Em seu lugar vivia uma alegria doce e despretensiosa, na
superfície. Para escrever carecia de certa melancolia, de desespero ou de
solidão. Então, leve de espírito, abandonei por tanto tempo o secreto refúgio
das letras. Esquecida de mim, vivia resignada no mundo dos outros, como
num teatro.

Mas de repente surge a voz que entende a minha língua secreta. Você
aparece sutil e subverte todo o silêncio. Eu, que precisava de introspecção
funda pra escrever, de inadequação, de vazio, hoje tenho um vale de
pensamentos alados, que fogem ao meu controle. As palavras dançam na minha
frente em bando, me embotam, tão vivas. São tantas, pululam todo o
tempo. E, surpresa: estou feliz.

Vislumbro o regresso do velho eu, em nova versão.

Por tanto tempo guardava o tédio sufocado. Uma felicidade fosca
ou uma tristeza reprimida. E agora toda a vida interna, a vida real, vem
à tona, num susto.

Dia após dia o nó cego na garganta ia crescendo,quase me enforcando. Na tranqüilidade simulada vivia a iminência de um abalo sísmico fatal. Feliz porque sim. Porque tudo parecia ótimo. Porque tinha tudo que precisava. Sim, vou muito bem obrigada.

Mas um dia, talvez cedo, talvez tarde demais, você leu esse pedido
rouco de socorro e me sacudiu, tirando-me de um sono profundo.

Suas idéias tão contorcidas quanto as minhas. A tristeza e a sombra,
incompreendidas. Você e a sua solidão, tão andarilha quanto a minha, me acordaram subitamente.

Descem torrentes de lágrimas e o riso do fundo do meu estômago, tudo ao
mesmo tempo.

Novamente vida. Suspiro pela esperança. E pelo medo de enfim ter
encontrado.

O soluço que soa como um sino: a nova realidade é agora. É hoje, já,
ainda, neste momento. Ainda. Tic tac.

Alice acordando outra vez.

24.11.06

Barato Zen - Nelson Motta

Louco de fumo diante da tv
contemplo a tela iluminada e penso
na ânsia de criar, de ir adiante
que tanto me consome e angustia
e sinto que a vida não se faz
somente pela ação e movimento
enquanto me abrigo em meu silêncio
e deixo que a tv me hipnotize

Nesse momento tonto e inativo
nada é urgente, nada é necessário
além de aceitar serenamente
a hora de não ser
e de ser nada.

Não tendo mais
tempo nem saco
para tanto papo
o príncipe de saudades
do tempo em que era sapo.
Gosto tanto deste texto. Lido e relido à exaustão. Em tantos momentos tantos eus. Sempre leva-se um susto, há sempre um novo viés. É por mim tão disseminado que dá medo de banalizar., de virar clichê. Mas Clarice é clarice. Simples assim.

POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

(In A descoberta do Mundo)

23.11.06

Miss Kittin - Sinatra 2006

To be famous is so nice...

22.11.06

Placebo - Pierrot the Clown

Placebo - Pierrot the Clown

And if you`re ever around
In the city or the suburbs.. of this town
Make sure to come around
I'll be wallowing in sorrow
And wearing a frown
Like Pierrot the Clown

* Ainda sobre inadequação ao senso comum: entender e idolatrar Placebo.